quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Quando verdade e ficção são vistas como coisas iguais

Uma das minhas intuições pessoais favoritas é a de que para nós a ficção e a realidade tem o mesmo peso. Essa intuição só foi se fortalecendo com o tempo e leituras sobre o tema. Descobri que ao lembrar de algo não fazemos mais do que uma encenação mental de detalhes que registramos dos acontecimentos. Por termos uma capacidade limitada de guardar as informações que muitas vezes lembramos das coisas de maneira muito diferente do que outra pessoa que estava lá.

De certa forma lembrar é o mesmo que imaginar. Quando imaginamos uma cena de um livro estamos fazendo um processo bem similar ao de lembrar do primeiro dia de aula do Ensino Médio (aquela merda de dia). Ou seja, não há diferença mental entre coisas que realmente aconteceram e coisas que aconteceram em filmes ou livros.

Ficção e Realidade estão no mesmo nível. Ótimo! Comprovei minha intuição e todos foram felizes. . . Certo?

Hoje na aula de Estudos Portugueses I (a qual eu carinhosamente apelidei de Filosofia 2017/2) os debates culminaram em uma constatação no mínimo estarrecedora do momento em que vivemos: Estamos em um mundo onde alguém pode dizer que o Nazismo nunca existiu e isso ser tratado no mesmo nível do que uma declaração de um historiador com décadas de experiência do assunto sobre o oposto.

Indo para outros exemplos, estamos em um momento em que pessoas são capazes de defender a Terra Plana e dizer que toda a ciência dos séculos que nos antecederam são apenas "mentiras feitas para beneficiar os vendedores de globos terrestres pra aulas de geografia mentirosa". Não importa o quanto isso seja estúpido, simplesmente tudo é tratado como se fosse tão relevante quanto as descobertas feitas pelas pesquisas mais recentes dos astrônomos que dedicassem suas vidas nas missões bilionárias da NASA.

A mentira deixou de ser mentira para se tornar pós-verdade, para se tornar apenas mais uma versão da ficção que a verdade também se tornou. Mentira e Verdade são a mesma coisa.

Agora o que me parecia uma questão teoria interessante, que criava a possibilidade de que Sofia e Heidi e Nós estivéssemos numa igualdade de existências se ligou a um viés de violência ideológica e obscurantismo histórico que atormenta nosso convívio social diário. Vivemos em um tempo onde tudo acontece muito rápido, então não há como saber se essa onda de pensamento retrógrado irá passar em uma década e afundar nossa sociedade em um século de retrocesso perigoso em todos os níveis.

Vivemos uma histeria controlada ao limite. Aqui no Brasil estamos sendo enganados todos os dias pela classe política, engolindo um Golpe e ouvindo um bando de babacas falando em colocar um racista homofóbico como próximo presidente. Está tudo tão relativizado que isso outrora seria uma piada e agora é medo real.

Será que realmente é uma boa ideia que ficção e realidade sejam iguais?

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Como o acordar de um sonho

Se existe uma coisa que não existe realmente é esse tal de tempo. Pode parecer bem esquisito falar sobre isso, mas o fato é que o tempo é uma convenção que tem tanta utilidade prática quanto um lado desfavorável: o de nos tornar distante de coisas que poderíamos estar sempre próximos. Tudo porquê acreditamos realmente que dias, meses e anos são algo relevante.

Apenas ontem percebi que faz mais de dez anos desde o lançamento de uma das séries de animação que mais influenciou meu pensamento criativo: Suzumiya Haruhi no Yuutsuu. Aquilo foi uma pancada no peito. Nossa, dez anos, mas isso é tanto tempo!

Espera, é realmente tanto tempo?

De maneira inevitável meu pensamento se tornou um mar de historiografia pessoal: a época em que era uma feliz tola que organizava eventos de karaokê de músicas de anime; os dias trabalhando eventos; a capacidade de cantar mais uma vez "God Knows. . .", uma das músicas presentes na primeira temporada de Haruhi; Depois veio o desafio de mudar de um canto para o outro do país; afastamento de amigos e uma inevitável perda de boa parte da confiança e obstinação para realizar o que quer que fosse, pelo fato de ter que lidar com a jornada nada simples de aprender a viver sozinha, trabalhando para pagar aluguel em uma cidade nada convidativa como Rio Grande; então veio Porto Alegre, uma nova faculdade, a construção de novas amizades verdadeiras e então. . . Haruhi outra vez.

A música tem a capacidade de gerar um sentimento único em cada um de nós e esse sentimento não está necessariamente preso ao passado. Ouvimos música para sentir novamente o que sentíamos na época em que aquele som ficou marcado, mas nada diz que não possamos dizer que esse tempo realmente passou.

Qual a diferença entre ouvir God Knows há dez anos e ouvir agora se a sensação de ser capaz de fazer qualquer coisa no mundo em busca de sonhos ingênuos é a mesma? E daí que as leis secretas da sociedade dizem que você não pode mais ter sonhos depois dos vinte e cinco? O tal "mundo adulto" é uma chatice sem fim, com empregos medíocres e rotinas que destroem qualquer capacidade de ir além. Qual o problema de trazer de volta a força de vontade que já mudou a vida uma vez para si?

Parece uma asneira sem tamanho pensar que somos realmente incríveis e temos capacidade de realizar o que desejamos. Somos críticos e sabemos muito bem de nossas limitações, de que o caminho é longo e doloroso. Acrescentamos no nosso olhar a dose de negatividade diária e sabemos que é impossível. É impossível.

Mas precisamos enganar nossa mente viciada no fracasso. Lembrar de algo bom, fingir que ainda estamos fazendo aquela prova na qual nos saímos perfeitos. Fazer de conta que somos aquela pessoa que em um único momento de bravura deu aquela resposta certeira à uma pessoa inconveniente. Mentir pode nos tornar muito mais próximos de fazer tudo o que não faríamos se pensássemos de maneira, digamos, sensata.

Realmente faz tanto tempo desde que cantei Haruhi com meus amigos antes de partir sozinha para o outro lado do país por acreditar em amor?

Claro que não, dez anos são quase nada. Sinto como se tivesse acabado de acordar de um sonho maluco como o da Alice. Não sou mais aquela garotinha de 18 anos, mas ainda tenho toda a força para fazer o que só ela faria, enquanto cantarola a mesma God Knows.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Seria a consciência uma ilusão narrativa?

O texto a seguir é um fluxo de pensamento. Não é algo estruturado, mas sim um conjunto de idas e vindas de ideias transcritas da forma mais crua o possível, no momento em que foram colocadas em linguagem.

Trilhões de neurônios. Robôs que criam robôs e que geram uma consequência inusitada: a consciência.
A consciência é o ruído proveniente da ação desses bilhões de robôs celulares?
Somos ruído.
O fluxo de consciência não é único nem linear. Ele repete fatos e falas, mas também cria coisas novas, o tempo inteiro.
Se somos ruído, somos ruídos capazes de desvendar o Universo?
Ruído.
Se somo ruídos, basta que uma máquina também tenha bilhões de bilhões de partes lógicas independentes que esse mesmo tipo de ruído irá surgir naturalmente.
E então estará provado.
Somos consequência, não consciência.
Somos ruído.
Ruído que cria ruídos, que constrói o que não existe. Somos o ruído capaz de criar Universos novos, intangíveis. A cada segundo, para toda a eternidade.
Narramos a nós mesmos como se fôssemos um único personagem.
Obedecemos esse personagem
Ele é apenas um personagem
Não existe um Eu real, apenas uma forma narrativa que é resultado tanto de fatores químicos internos e inerentes ao caos dos robôs celulares, quanto à nossa própria capacidade de acreditar que existe um Eu real que determina como nós agimos.

A pergunta fundamental (Quem sou Eu?) é uma bobagem, afinal o Eu não é Ninguém e é todos ao mesmo tempo.
A consciência é o Tudo e o Nada.

A consciência surgiu apenas por conta da evolução? Essa evolução foi deliberada?
É possível, afinal um sujeito consciente é capaz de compreender abstrações do que um sujeito que age apenas em função de seus instintos subconscientes. É a diferença entre um cão e um homem. O homem é capaz de fazer coisas completamente sem sentido físico direto, mas que o levam à situações mais confortáveis ou favoráveis à sobrevivência.

A consciência é um ruído, mas não é um acidente.
A consciência é um ruído descontrolado, guiado pela linguagem, moldado para nos tornar capazes de sobreviver à muito mais do que os outros animais.
Mas somos falhos, nosso egoísmo e nossos impulsos violentos nos tornam destrutivos para com os outros.
Egoísmo, pensar apenas em si. Parece estranho que uma coisa ilusória como a consciência se preocupe tanto consigo mesma.
Ao mesmo tempo
É apenas sendo egoísta que a consciência consegue atingir seu potencial máximo de evolução. É assim que ela nos torna capaz de sobreviver à custa de outros, objetificá-los, ter vantagem, confortos e segurança extra. Segurança nunca é demais para a evolução.

Ou talvez seja.
Pois quando chegamos ao mundo onde conceitos importam mais do que perigos reais começamos a acreditar que realmente o tal Eu é algo que precisa ser entendido e elevado.
Nosso Eu é mais importante que o Eu dos outros.

A capacidade de abstrair estar no centro disso tudo.
Mas é notório que nossa consciência tem muitas falhas.
Ela é fraca e limitada
Pois nos prendemos à ilusão do eu
Pois somos incapazes de perceber o futuro com clareza
Por isso criamos perspectivas falsas
Criamos cenários irreais e acreditamos em falácias com muita facilidade

Somos nossas consciências?
Talvez no estado atual das coisas podemos dizer que sim
Somos os seres desse ruído
O ruído proposital
Porém estamos tão mergulhados no mundo dos ruídos que ganhamos novas camadas de complexidade que podem nos fazer bem, ou fazer mal
É a capacidade de ter crença. A mesma que pode nos fazer sobreviver às estações do ano ou pode nos levar à matar milhões de outros seres vivos sem piedade.
Mas afinal isso é mesmo algo ruim?
Os valores são coisas criadas por nós.
Mas do ponto de vista evolutivo criar violência não é inteligente quando ela gera a possibilidade de revanche, de retorno dessa violência contra nós.

Está dizendo que não existe a moral ou a bondade?
Nunca existiu.
É tudo coisa desse ruído maluco
Esse ruído

Agora, voltando à questão narrativa
Nós criamos personagens e nós mesmos interpretamos um personagem
Mas por que é assim?
Penso que possa ser uma questão de limitação
Assim como não somos capazes de falar diversas frases ao mesmo tempo, pois só temos uma boca,
Não somos capazes de nos compreender como seres diferentes ao mesmo tempo
Ainda que sempre sejamos diferentes
Somos a pessoa da faculdade
A pessoa do trabalho
A pessoa da família
A pessoa com nós mesmos
Buscamos, em alguns casos, harmonizar essa visão de quem somos
Criar uma narrativa coesa
Pois a falta de coerência é algo que nos incomoda
Mesmo em nós mesmos
Cria um tal "peso na consciência"
Por que não somos capazes de lidar com o fato de não sermos uma pessoa só
Nem mesmo de um minuto para o outro
Nem mesmo de hoje para amanhã
Somos o ruído
Uma resposta de instintos domados por pensamentos abstratos
moldados por linguagem
Linguagem oral, na maioria das vezes,
Mas também linguagem gestual, por libras, por imagens

Talvez seja difícil pensar que existe pensamento sem linguagem porque somos totalmente emoldurados sobre essa estrutura comunicativa
A língua
Mas isso não é uma verdade
Não somos capazes de pensar hoje sem palavras
Por que já crescemos tempo demais pensando com palavras

O pensamento por si só é uma questão muito interessante.
O que é o pensamento?

Tudo tem um motivo instintivo e biológico
Tudo é satisfação e segurança
Tudo
Mesmo o amor
Mesmo o ódio
Talvez seja fácil notar no medo
Mas é nebuloso se pensar nisso à respeito da ética
Mas todos são biológicos

O que leva à busca do conhecimento?
Satisfação
Nos tornamos complexos à ponto de compreender abstrações em níveis muito superiores à Abstração Primeira
Nós mesmos
O Ruído
Abstração Primeira
Eu
Consciência
Não existe nenhuma consciência?
É como a tela do celular
Uma cara
Na frente de sistemas muito mais complexos

Só vivemos de maneira narrativa
Não entendemos o espaço
o tempo
eu
o outro
o mundo
sem ser por narrativa
construímos narrativas desde que aprendemos sobre o tempo
mas só aprendemos sobre o tempo por termos memória do que já aconteceu
memória
marca do tempo que passou
aprendemos à duras penas sobre ação e reação
chorar nos deixa sem ver televisão
nossos pais nos ensinam sobre tudo isso
através da moldura da linguagem
Língua
As línguas são moldes de realidade
Realidade
A Abstração Segunda
Vem logo após o Eu
A Realidade é uma abstração do que nosso sentidos são capazes de captar
Com fatores lógicos e abstratos que construímos a partir de memórias e sensações

Se não somos os mesmos de cada segundo no passado
Escrever é o ato de colocar a expressão linguística desse ruído interminável em um espaço
seja digital
seja físico
Escrever é gravar o fluxo de linguagem que existe em uma parte do nosso pensamento
A ficção e a realidade são abstrações no mesmo nível
São Abstração Segunda
Pois ambas se passam em nosso Ruído
e ambas são intangíveis
ambas dependem só da nossa visão
ambas são reconstruções de conceitos apreendidos externamente
ou pelo menos reconstruções desses mesmo conceitos
repetição e reaparecimento
releitura
aprender palavras é aprender novas maneiras de construir abstrações