sexta-feira, 13 de outubro de 2017

[Conto] Telefone




Raquel estava na sala de casa. Agulhas nas mãos e tutorial no Youtube, ela aprendia a dar os primeiros pontos apenas para preencher o tempo excessivo que tinha. O filho não estava em casa e ainda era muito cedo para fazer o jantar.

Foi então que o telefone tocou.

O telefone, uma bela peça dos tempos de seus pais. Verde lima, com números dispostos em círculo com um discador de plástico por cima. Detalhes metálicos e um fio grosso marrom ligavam aparelho e gancho. Ele estava disposto no canto do balcão antigo, logo do lado de um porta-retratos.

Ele tocava. Raquel pausou o vídeo no smartfone e foi até o ancestral telefone de disco. Um soar alto e estridente que não se poderia ignorar vinha do aparelho. Autêntico toque que lembrava desde a época que era uma menininha, na casa de sua avó Cida.

Atendeu:

"Oi, amor. Que demora pra atender." Reclamou uma voz especialmente familiar.

― Borges? ― Raquel perguntou, sabendo ser ele.

"Sim, eu." Respondeu o marido. "Escuta, amor. O Alceu vai me liberar mais cedo hoje. Tô ligando pra dizer que eu adoraria se você fizesse aquele camarão com massa que é sua especialidade. Quero aproveitar nosso tempo juntos de uma maneira especial."

Raquel ouvia a voz do marido enquanto contemplava seu rosto no porta-retrato ao lado do telefone. Uma foto das antigas, que máquina de filme,  um homem de rosto magro e cheio de energia nos seus trinta e poucos anos:

"Agora tenho que voltar ao trabalho. Até mais tarde, meu bem." Despediu-se ele, desligando a seguir. Os tons da linha cortada ficaram martelando na cabeça de Raquel durante um tempo até que ela deixou o gancho de lado, pendurado para fora da mesa.

Esse Borges. Sabe que é alérgico a camarão e mesmo assim sempre está se arriscando. Era sempre um problema. Volta e meia iam parar em uma emergência porque o marido comia algo na volta do trabalho e chegava todo embolotado em casa.

Claro que ela não ia fazer o prato, claro. Ainda assim arrumou a bolsa e catou o celular de cima do sofá. Tinha algo à fazer agora, e talvez fosse uma boa passar no consultório da Rosângela na volta, apenas para dizer que estava indo tudo bem.

No corredor para a saída, Raquel olhou na direção do quarto do filho. A porta estava aberta. Sorriu e saiu, mas não sem antes mandar uma mensagem para a secretária da terapeuta.

A casa ficou em completo silêncio. Desde o segundo quarto, sempre de porta aberta para o vazio do seu interior, sem qualquer móvel ou decoração, até a sala e seu antiquado cantinho de velharias.

A secretária teria ligado para a casa para avisar que não tinham como encaixar uma consulta em cima da hora, porém o telefone do consultório não conseguia ligar para celular e na ficha de Raquel não constava nenhum número fixo.

Nos tempo de smartfone, ninguém mais tinha um telefone funcionando em casa. Nem mesmo a viúva e aposentada precoce. O aparelhos de antigamente haviam se tornado peça de decoração. Como aquele verde e marrom, enfeitando ao lado do último retrato do falecido.

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