segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Até onde “Literatura Cinematográfica” é algo bom?


Não é de hoje que outras mídias vem influenciando a Literatura e vice-versa. Porém, de  algumas décadas para cá é crescente a influência do Cinema (referindo-se também aos roteiros cinematográficos) e sua linguagem própria sobre o ato de contar histórias por escrito. É bem mais fácil notar este fenômeno em livros mais voltados para um público casual, praticamente os “blockbusters literários”, onde muito mais do que um influência sutil, é possível perceber a intenção total do autor em fazer sua história formar um filme na cabeça do leitor, exatamente como os filmes que se veem na tela grande.

A questão neste fenômeno é: Literatura e Cinema são mídias assim tão semelhantes? Não faria falta a uma obra literária as características que são únicas e exclusivas dessa mídia?  Essa mistura de linguagens é apenas boa, apenas ruim? Aliás, dentro dessa profusão de “livros-roteiros” alguém ainda sabe quais são as possibilidades únicas que a narração ficcional tem?

Até onde “Literatura Cinematográfica” é algo bom?
Literatura de ficção é um formato de expressão assim como o Teatro, Cinema e Quadrinhos, sendo um dos mais antigos entre estes. Cada uma dessas linguagens possui uma série de signos e significados próprios que podem ser aplicados em sua execução.

O que roteiros e filmes podem fazer que livros não?
É preciso ter bem claro o viés visual que o Roteiro possui por natureza. Em um roteiro não se descreve nada que não seja visível, e mesmo este é retratado da forma mais sucinta o possível, em detrimento do objeto principal dessa forma de escrita: as Ações.

Em um filme propriamente dito, outros recursos são aderidos sobre as descrições e falas de um roteiro. Ângulos de câmera, trilha sonora e efeitos de pós-produção ajudam a pontuar o ritmo e clima que a trama segue. Ainda que, fundamentalmente, o ritmo das ações seja determinado pelo roteiro, essas ferramentas são de grande valia na hora de alcançar os sentidos (visual e auditivo) do expectador.

Ainda que seja possível reproduzir toda a sorte de ações complexas mostradas na tela do cinema em forma de narração, é um labor em demasia traduzir algumas sequências que duram poucos minutos para palavras sem pecar na agilidade e intenção. Além disso, como uma linguagem visual, o cinema é capaz de utilizar-se de diversos recursos gráficos que não possuem tradução em palavras (algo semelhante ao que é possível fazer com quadrinhos). Ou seja, nem sempre tentar reproduzir na Literatura o que se pode fazer com o básico da arte cinematográfica.

O que livros podem fazer que roteiros não?
Enquanto o roteiro é uma mídia voltada para o visual a Literatura está  mais voltada para o plano Racional e mesmo Subjetivo de uma trama.

Em um livro é possível haver passagens rápidas, contadas ao leitor, intercaladas com outras mais lentas, onde os acontecimentos são “mostrados” através da narrativa sequencial. Saber quando e como empregar essas duas formas de narrativa é um dos segredos para uma literatura bem sucedida e merece ser objeto de estudo de modo mais aprofundado.

Porém um dos maiores pilares de diferença da Literatura para o Cinema está em um plano mais íntimo. Isso porque na Literatura é possível mergulhar no mais profundo dos pensamentos e sentimentos dos personagens de maneira ímpar. Algo que só consegue ser mais aproximadamente emulado nos quadrinhos, através de recursos gráficos complexos e subjetivos com tais objetivos.

Desde que aprendemos a falar nossos pensamentos passam a ser expressos através de um fluxo contínuo de palavras. Um diálogo interior que muitas vezes é anacrônico e mesmo multifacetado. E é essa característica que torna a narração literária de um fluxo de pensamento e sentimentos muito mais “realista” para alguém lendo um livro (ou seja, reverberando no primeiro plano do consciente as palavras escritas pelo autor) do que quando se vê e mesmo se escuta o lamento de um personagem em uma projeção cinematográfica ou encenação teatral onde, por mais verossímil que seja a atuação do artista, tudo ainda ficará sujeito à capacidade de empatia visual do expectador.

Na Literatura, mais do que em qualquer outra mídia, devido às suas características únicas, é possível para o expectador/leitor SER e SENTIR o personagem. Ainda que nosso cérebro tenha a capacidade extraordinária da projeção dos nossos sentimentos de maneira tão nítida para figuras exteriores ao nosso corpo, como um personagem diante dos nossos olhos, conseguir acesso aos pensamentos e sensações físicas de uma personagem como é possível através da escrita é algo ainda pouco provável em outros formatos.

Influências podem ser boas
Não há de se pensar também que características cinematográficas são algo totalmente nocivo para a boa Literatura. Dependendo do contexto, do objetivo da obra e do público visado, possuir características que relembrem o Cinema, pode ser algo extremamente positivo para a literatura ficcional.

Para compreender isto é preciso ter algo bastante claro nos pensamentos: Literatura não existe para uma única função ou propósito. Tanto aquela considerada como “Boa Literatura”, como clássicos e obras mais conceituais e profundas, não tem nada mais especial do que um bom livro de ficção policial ou uma série adolescente. Ainda que seja possível sim perceber uma maior qualidade técnica ou mesmo um maior valor moral em determinadas obras, isso em nada denigre a função de obras que visam o entretenimento.

Este aliás é um tópico delicado e que merece ser tratado com mais profundidade em particular. Mas é possível neste momento explicitar algo que deveria ser (mas infelizmente não é) de conhecimento comum: Entretenimento é uma necessidade humana primária, assim como a busca por conhecimento é um instinto primário. É muito comum se incorrer em erro quando se julga material de Entretenimento, como se este fosse algo “menor” ou “menos importante”.

Quando uma obra literária se utiliza de nuances de outras mídias como o Cinema (e mesmo outras) isto não significa necessariamente que esta Literatura está “se rebaixando” a outra coisa (até porque não existe mídia mais relevante, ou significante, do que outra). Ela está somente agregando a si características exteriores, o que pode criar algo muito rico. Além disso é também extremamente comum que as outras mídias busquem na Literatura características para adicionar ao seu leque de capacidades.

Um exemplo

Gostaria de dar um exemplo de obra literária que utiliza recursos únicos que tornam sua leitura muito mais interessante do que poderia ser feito em qualquer outro formato. Porém, em vista de não revelar detalhes do enredo, irei apenas citar essa obra e tentar aguçar um pouco a curiosidade para que se confira em pessoa este elemento ao qual faço referência.

“O Assassinato de Roger Ackroyd”, de Agatha Christie, é um dos seus romances mais famosos, considerado por muito a sua obra-prima. Uma trama policial, onde o consagrado personagem Hercule Poirot,  juntamente com o narrador-protagonista, Dr. James Sheppard, investigam o assassinato do personagem-título.

Sem entrar em detalhes é preciso apenas dizer que a “grande sacada” desse livro foi tão impactante que ficou conhecida como um marco dentro do gênero e mesmo dentro da Literatura da época. Um marco que só foi possível graças à capacidade da autora em manipular a característica subjetiva que apenas a narração Literária é capaz (mais uma vez enfatizo que tal tipo de experimento só seria possível com impacto semelhante na mídia de Quadrinhos, ainda que não do exato modo feito por Agatha em sua obra).

Resumindo. . .

Não há nada de errado em fazer “Literatura Cinematográfica” se esse for seu objetivo. Porém, nunca renuncie totalmente à gama gigantesca de possibilidades da Literatura sem ter certeza de que é isto que sua obra de fato necessita.

Lilian K. Mazaki


sexta-feira, 26 de setembro de 2014

A importância da não-ficção

No início desta semana acabei participando de uma corrente de postagens no Facebook, algo que normalmente não faço. Abri esta exceção pelo fato da corrente em si ser um "desafio" de listar 10 livros importantes de sua vida. Pois bem, depois de montar minha lista acabei reparando em algo que posteriormente foi até citado por alguns amigos: a quantidade de livros de não-ficção que coloquei no meu "Top 10" leituras. Não creio que esse fato seja motivo para que eu me "vanglorie" de alguma individualidade ínfima de gosto (o que seria ridículo da minha parte), mas abriu espaço para uma breve reflexão que gostaria de dividir com vocês, leitores do Creative 1000%

A não-ficção é, ou deveria ser, relevante para quem escreve ficção?



A importância da não-ficção



Fantasias épicas, jornadas espaciais deslumbrantes, romances apaixonantes. . . São muitos os aspectos que podem fazer de uma leitura uma experiência insubstituível para uma pessoa. Talvez um personagem de um filme tenha uma passagem de fala que toque o mais profundo do ser do expectador, tornado essa criatura imaginária permanente nos sentimentos desse alguém. Porém, é preciso lembrar sempre que nenhuma ficção vem de outro lugar que não. . .

Da Realidade.

Livros de não-ficção se dividem em várias modalidades. Desde didáticos, até históricos e de auto-ajuda. Cada um tem sua função dentro das necessidades do mercado consumidor de literatura (mesmo aqueles gêneros tão criticados, sem razão, como a Auto-Ajuda) e tem objetivos diversos entre si. Porém o material de trabalho de boa parte destes livros é debater, ou explanar, sobre algum aspecto da realidade, seja de maneira educativa, científica ou emocional.

Existem livros que falam sobre História, onde os autores são especialistas que buscam informações concretas sobre o período que é objeto de estudo. Apesar de ocorrerem erros históricos em alguns casos, devido à escassez de informação (ou ventura de incapacidade do autor em buscar boas fontes) é comum que muita informação real seja trazida em uma obra deste tipo.

Também existem livros que falam de teorias de menor conhecimento da população em geral, de modo mais simplificado. Citando aqui exemplos como Universo em uma Casca de Noz, de Stephen Hawking, Cibercultura, de Pierre Lévy, e O Homem e Seus Símbolos, organizado por Carl Jung. 

Se pudermos abrir um pouco mais o horizonte de fatos poderemos ver que mesmo livros de empreendedorismo, ou de inteligência emocional, podem ser material de grande valia para pessoas que ocupam sua mente e vida com a Ficção. O valor de tais obras reside exatamente em retratar algo da Realidade, pois tudo da Realidade pode ganhar nova figura quando jogado sobre a Ficção.



A não-ficção trata de temas de forma concreta e, muitas vezes, sistêmica. São trabalhos nem sempre voltados para um público leigo, porém existem diversas entre essas publicações que exigem apenas um pouco de paciência e interesse por parte do leitor para revelar uma gama de conhecimentos novos e profundos sobre um assunto.

E é essa a palavra chave da não-ficção: Conhecimento. Um livro como "O homem e seus símbolos", que organiza e apresenta em linguagem acessível todo o Universo de ideias de Jung tem a incrível capacidade de trazer para uma pessoa que jamais fez faculdade de Psicologia a chance de conhecer (mesmo que com várias limitações) uma gama de conceitos que jamais encontraria de modo tão claro e sistêmico em um livro de ficção (ainda que, uma infinidade de obras sejam construídas sobre os preceitos do arquétipos enumerados por Jung em suas pesquisas).

Um bom livro de história pode apresentar fatos trazidos com muito trabalho por seus autores para os olhos de pessoas que jamais teriam como saber sobre tal período.

Mesmo um livro de filosofia antiga, como por exemplo o Tao Te Ching, pode trazer a um autor um ramo de pensamentos e sentimentos novos dos quais poderá se aproveitar para seu futuro trabalho. Como poderíamos mergulhar mais fundo na alma de uma pessoa do que com suas poesias sobre a Alma e o Universo?

Ou seja, não é apenas lendo ficção, assistindo séries de ficção ou comentando sobre a Jornada do Herói que é possível obter conhecimentos a serem utilizados para criar ficção. A Realidade, retratada através de livros de não-ficção, é uma janela aberta para chegar a novos conceitos e entendimentos sobre questões que talvez, sem o auxílio destes, jamais poderia se alcançar.



Nem tudo serve a todos

Não poderia fechar esta breve reflexão sem deixar claro que influências e conhecimentos são coisas que se moldam ao olhar de cada um de maneira individual. Ou seja, não é porque ler não-ficção seja bom para algumas mentes criativas que deva ser uma obrigação a todos aqueles que querem ser aspirantes à escritores ou roteiristas. É apenas mais uma via, de tantas que o mundo coloca à nossa frente a cada novo amanhecer.

O que tudo isso significa: ler não-ficção pode ser enriquecedor pra caramba. Experimente, talvez você venha a gostar, mas, se não for o caso, tudo bem, cada um tem seus gostos mesmo.

Lilian K. Mazaki

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Regras: Seguir ou Descontruir?

Existe um debate infindável entre escritores e aspirantes a escritores quando o tópico é: "Regras, seguí-las ou pervertê-las?". Existem opiniões formadas em ambos os lados e parece impossível em alguns momentos se chegar a um consenso a respeito. Porém, com uma visão um tanto mais distante e racional é possível ver o quanto ambos os lados são complementares e devem ser levados em consideração por autores e potenciais autores na hora do trabalho literário. É a velha máxima do "nem um, nem outro, mas sim ambos."


Regras: Seguir ou Desconstruir?



Muitas vezes o motor dessa questão começa com uma pergunta semelhante a: "Será que eu posso fazer isso com minha história/personagem?". O autor busca então algum marco de referência ou opiniões sobre situações semelhantes à sua para encontrar uma luz para seu problema. É neste momento que, normalmente, se encontram as duas linhas de opinião:

1 - Você pode/não pode devido às regras X, Y e Z, ou

2 - Você pode, afinal tudo é possível quando se trata de Literatura de Ficção.

No primeiro tópico é comum que idéias mais ousadas ou que esteja foram dos paradigmas até então mais comuns sejam rejeitadas ou mesmo tolhidas. 

Um exemplo que atualmente é até recorrente é dos palavrões e linguagem obscena. Quando se pergunta a esse respeito, ou se procura por informação (seja online, ou offline, com contatos) logo surgem opiniões negativas, baseadas em uma série de conceitos pré-estabelecidos (seja por senso comum, ou pela própria ideologia pessoal de quem tem esse tipo de argumento).

Já no segundo tipo de opinião, muitas vezes se encontram dois tipos de atitudes: a impaciência ou a prepotência de quem pensa desta maneira. Explicando melhor:

A impaciência surge, muitas vezes, quando esse tipo de opinião acaba sendo repetida à exaustão, pois todos os dias surgem novos aspirantes, e mesmo os veteranos aparecem com dúvidas que toquem neste ponto. Quando alguém é da opinião de que "tudo pode", praticamente qualquer resposta que terá para uma pergunta de conceitos ou "o que se pode fazer quando" será algo como: faça o que quiser fazer; você pode fazer; faça de uma vez. A repetição do argumento simplório acaba criando esse estresse nessa opinião, o que muitas vezes termina por criar uma visão...

Quanto à prepotência é bom frisar que, ainda que não seja algo na íntegra, boa parte dessas atitudes são precedentes de autores que utilizam este argumento para validar a própria ignorância quanto a alguns tópicos. Ou seja, para tornar sua própria atitude justificável



Os erros de ambos os lados



Falar de Literatura, assim como qualquer forma de Arte, acreditando que tudo é regido por um sistema de regras universais inquebráveis é uma atitude que encaminha para um ponto perigoso: a mediocridade. O famoso "fazer mais do mesmo" ou então algo como "está bem feito, mas não parece ter valor em si."

Em oposição acreditar que todas as regras são normas engessadas que apenas irão tolher o pensamento revolucionário que a Criação precisa possuir e, portanto, devem ser ignoradas ou mesmo combatidas, é uma visão igualmente torpe do trabalho literário enquanto criação e técnica.

Existem momentos em que as regras irão servir ao artista, lhe mostrando meios de solucionar questões sem perder a tão buscada Verossimilhança. 

É preciso ter em mente que as regras nunca precederam qualquer obra, mas sim o oposto: Não foi o termo Ficção-científica que possibilitou Mary Shelley escrever Frankenstein ou Asimov a criar as Três Leis da Robótica. Foram essas obras e tantas outras abarcadas neste gênero que, ao serem observadas, foram agrupadas em um termo conhecido como Ficção-Científica (e todas as suas ramificações). Os termos, regras, observações e sugestões são criados a partir da observação, num viés típico da natureza humana de organizar e classificar tudo o que existe.

O que quero dizer com tudo isso é: as "regras" nunca são absolutas. É preciso ao menos conhecê-las para então saber que é possível ir contra elas de uma tal maneira que não se perca nenhum dos grandes chefes da ficção: a Coerência, a Coesão e a Verossimilhança.

Querer segurar-se à "leis" que não existem é esconder-se na zona de conforto a tal ponto de sufocar e cair na insignificância. Fazer sempre do mesmo ou proibir-se uma criação por aquilo não se encaixar no que é mais "correto" ou mesmo "aceito" dentro do senso comum é um tipo de censura poderosíssima, pois ocorre em um nível onde é possível intervir: o pensamento original do artista.

Acreditar que a criação livre de qualquer influência é a única forma Correta de fazê-lo é pecar com a humildade que deveria existir dentro de cada autor e também negar que todo o trabalho até então produzido possa servir para o aprendizado de uma nova geração de autores. É como negar-se a subir nos ombros dos gigantes passados para ir mais além nessa infinita subida da criatividade.


Existe equilíbrio entre regra e liberdade?



Sim, existe.

O velho "conheça as leis antes de quebrá-las" é uma forma simplória de responder a esta questão, mas ainda assim é uma forma válida. Claro que existem momentos onde um autor, seja por desinformação ou falta de oportunidade para tal, chegue a momentos de decisão onde não irá encontrar uma regra que poderá se orientar, ficando apenas à vontade de sua intuição, devendo assim seguí-la. 

Porém, dentro das possibilidades de cada um, é preciso sempre dá valor aos conceitos existentes, fazendo uma avaliação sobre tais antes de tomar uma decisão. "Será que essa regra funciona para o que quero dizer com minha obra?" deve ser o pensamento do autor. Se a resposta for negativa, e se souber os motivos de ser negativa, então não a culpa em seguir longe de tais preceitos.

Enfim: Nada supera a intuição do autor, mesmo quando essa diz que se deve aproveitar o conhecimento já construído anteriormente como base para seu trabalho.


Lilian K. Mazaki

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Qualidade x Fama? As motivações de um Escritor


Recentemente, em um grupo de discussão literária, uma questão pertinente foi trazida para o centro das atenções, algo como "O que você quer? Fama? Qualidade? Prefere se tornar famoso mesmo que com obras consideradas ruins pela crítica? Prefere se focar na qualidade e se a fama vier junto ótimo?". Uma discussão bastante válida, mas que acabou por despertar-me para um ponto divergente de ambos os "lados" da história:



Só existem esses dois objetivos literários? Só é possível escolher entre uma dessas duas "facções" para pertencer?

As motivações de um Escritor



Este será um texto completamente opinativo, onde irei deixar bem claro meus conceitos à respeito deste tema sem, contudo, desmerecer o debate de grande valia que sempre surge em torno do assunto. Meu objetivo é não somente despertar o mesmo questionamento de valores dessa questão "Qualidade x Fama" como demonstrar que existem uma quantidade enorme de possibilidades além desta para se levar em consideração.


Os 6 estágios da Arte
 
Para começar a abordar essa questão é útil nos valermos de algum estudo sobre o tema "Motivações dos Artistas". Apesar desse parecer um tema difuso a um primeiro olhar, o estudioso de quadrinhos Scott McCloud fez uma bela abordagem sobre a questão em sua obra "Desvendando os Quadrinhos". Ainda que ele na ocasião estivesse se focado nos quadrinistas quando criou suas definições, é visível o quanto seu modelo se aplica a todos os ramos artísticos.

Scott McCloud em Desvendando os Quadrinhos - divulgação

McCloud, um verdadeiro maníaco por diagramas e teoremas conseguiu em sua obra dividir a visão de todos os artistas sobre sua produção. Os estágios são, do mais interior ao mais exterior:

1) Ideia (o que se quer dizer)
2) Forma (a maneira de dizer)
3) Idioma (o modo, a maneira de dizer - literatura, quadrinhos, música, teatro e etc)
4) Estrutura (como se estrutura o que se produz)
5) Habilidade (saber fazer com qualidade)
6) Superfície (a forma como se parece para quem recebe)

Em outro artigo mais direcionado a isto poderemos abordar com mais profundidade esses estágios. Por hora basta entender o seguinte sobre a teoria de McCloud:

- Todo o aspirante começa seu trabalho visando o sexto ponto, a superfície

- Com o passar do tempo cada um vai aprofundando-se nestes tópicos, não necessariamente em uma ordem. O importante é que, quanto mais desenvolto em vários desses tópicos, mais profundo será seu trabalho

- Todos os artistas, em certo ponto, chegam à uma escolha que devem fazer (e que não é definitiva, mas sim temporal): Ideia ou Forma?

Esse terceiro ponto é bastante definidor na Literatura: você é um escritor que preza mais pela mensagem ou pela forma do seu texto? O que é mais importante?

Apenas citei a teoria de McCloud com o intuito de mostrar o quanto, ao meu ver, essa questão de Qualidade x Fama parece incompleta ou mesmo incapaz de expressar a realidade.


Comunicação, o motivo fundamental da Arte



Como autora devo dizer que estou no "Clube dos - queremos transmitir ideias!" e este clube está inserido tanto no quesito Qualidade quanto no Fama da dicotomia apresentada até então.

Arte (no caso, Literatura) se for vazia de uma Mensagem não passa de uma bela "Possibilidade sem Utilidade" (não é fácil notar que sou uma pessoa do tipo "Ideia"?). Não existiria o porquê da obra senão para transmitir algum ideia, algum valor. Por mais banal que seja sua questão, sem uma questão central, a Obra não passaria de um envólucro vazio.

E, para transmitir bem ideias é preciso saber como fazê-lo. É preciso técnica, é preciso saber estruturar um bom enredo, saber o mínimo de regras gramaticais para não cometer erros grotescos que afastem o leitor. Enfim, a Qualidade é um item fundamental para a Comunicação.

Por outro lado, quem quer comunicar algo deve fazê-lo a Alguém. Qual o valor de uma obra engavetada, que jamais conheceu a luz de uma leitura? Claro, neste tópico também existem possibilidades divergentes. Mas, por padrão, se uma pessoa diz algo, ela diz esperando ser ouvida por alguém e, se possível, compreendida e aceita.

Ou seja, ainda que de maneira menos intensa, aquele que anseia a Comunicação também tem sua parcela de apreço pela Fama. Para alguns, basta o conhecimento de algumas dezenas de pessoas, outro querem centenas, ou milhares, ou mesmo milhões. É na dosagem dessa procura por comunicar-se que irá determinar o quanto a fama é importante em sua vida.


Não existem dicotomias

Apesar de ser bastante válida em termos didáticos, para análise, a divisão entre Qualidade x Fama é irreal no ponto de vista prático. Apenas com um breve exemplo foi possível perceber o quão frágil são os limites dessa separação em termos. Assim como em qualquer outro espectro da vida, as motivações de um escritor (de um artista) não se limitam a duas possibilidades opostas, mas se abrem em um leque diversificado e misturado de opções e alternativas que podem, ou não, ser complementares umas as outras.

Ou seja: Qualidade? Fama? Comunicação? Técnica? Tudo isso e muito mais, sim senhor! 


Lilian K. Mazaki

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A megalomania literária

É bem recorrente em fóruns e grupos de aspirantes a escritores espalhados pela internet encontrar jovens autores fazendo o seguinte tipo de comentário: "Tenho XX anos (menos de 25 ou 20) e nunca escrevi nada, mas tenho uma série de Z (acima de 5 ou mesmo 10) livros em mente. Como faço para escrevê-los?". Esse tipo de pensamento é comum em pessoas com pouca experiência prática no ofício literário (literalmente a labuta de escrever) que reflete uma enorme falta de preparo para tal empreendimento e, além disso, é uma janela imensa para fracassos e frustrações.

Mas, afinal, o que tem de errado em querer começar a carreira literária escrevendo uma longa série de ficção?


A "Megalomania Literária"




Primeiro ponto negativo é psicológico. Um potencial autor cria um universo de fantasia maravilhoso, deslumbrante e logo começa a enumerar a quantidade de livros que precisaria para apresentar esse universo de modo completo ao leitor. Imagina-se sendo ovacionado e adorado por seus fãs, participando de noite de autógrafos e, quiça, negociando os direitos para um filme em Hollywood! Porém, em meio a toda essa euforia o aspirante não se dá conta de algo simples, mas fundamental nesse processo: escrever é um trabalho demorado e penoso.

Não que todos os autores, publicados ou não, não possam se permitir esses momentos de devaneio, muito pelo contrário. Mas, encher-se de ansiedade a respeito de uma obra tão grandiosa sem sequer ter começam a tirá-la da mente para um rascunho que seja pode ser uma armadilha.

Uma vez que o autor desperte do seu sonho e se veja diante de um desafio tão gigantesco e urgente (afinal, se ele não começar a escrever AGORA não irá viver o bastante para ver toda a sua fama prosperar) ele provavelmente irá TRAVAR por completo antes de escrever a primeira frase do primeiro esboço de conto sobre seu maravilhoso universo.

O segundo ponto negativo é logístico. Escrever um livro é uma atividade que exige uma quantidade bastante volumosa de subsídios para se tornar realidade:  tempo e esforço podem ser conceitos abstratos, mas são a matéria-prima do trabalho literário e são um custo para o autor. Uma pessoa que diz que quer estrear escrevendo uma série de, por exemplo, 10 livros correlacionados provavelmente não faz ideia da quantidade de tempo e desgaste mental necessários para terminar uma única obra, quem dirá 10 obras com enredos interligados.

Um autor inexperiente, em praticamente todos os casos, não tem técnica o suficiente para lidar com um único enredo, muito menos com diversos enredos entrelaçados.

Um aspirante não tem, em sua maioria, conhecimento do próprio ritmo de trabalho, nem noções de organização pessoal para lidar com a produção de uma obra.

Boa parte dos escritores de primeira viagem não conhece técnicas para otimizar sua rotina de trabalho para uma obra ou, em casos ainda piores, rejeitam essas técnicas por acreditarem que "sistematizar meu trabalho é matar toda a alma da minha obra."

Ou seja: Escritor aspirante (e mesmo boa parte dos escritores já experientes), não se comprometam com uma série imensa como seu caminho principal na carreira literária.



"Mas eu sou uma pessoa criativa, não posso evitar criar universos maravilhosos e gigantescos."




Criar, a nível conceitual, universos de ficção complexos é um exercício apreciado por autores de fantasia e ficção-científica (o chamado Worldbuilding). É uma atividade, até certo ponto, muito prazerosa e proveitosa para a mentalidade do autor. Ter que repensar regras físicas, sociais ou espirituais de uma realidade imaginada pode ser um caminho para compreender como essas questões são construída na nossa própria realidade.

Porém uma coisa é criar conceitos e outra, muito diferente, é escrever uma série de livros. É preciso separar o senso de criação do senso prático como escritor. Os problemas de comprometer-se com uma série são muitos e podem levar a frustrações enormes.


Como lidar com a Megalomania Literária?




Não há como passar uma receita única de como resolver esta questão, mas irei deixar aqui meu toque opinativo, levando em conta as experiências que já tive na produção literária. Em suma:

- Crie um universo do tamanho que for, MAS, pense em um livro de cada vez;

Se seu primeiro livro, com enrendo redondo, fechado em si mesmo, dentro deste seu universo der certo, ou seja, for publicado (por editora, de maneira independente ou mesmo de graça na internet) e conquistar uma base de fãs, mesmo que pequena, AI SIM você começa a trabalhar no seu segundo livro, ou, num toque mais ousado, uma trilogia nova dentro desse seu universo ficcional.

Escrever é um ofício e o autor despende dos seus bens mais preciosos para isto: tempo e raciocínio, então é preciso inteligencia para não jogar estes preciosos recursos no vácuo da inutilidade.

Outro ponto interessante a destacar aqui: Não adianta de nada escrever 14 livros quem ninguém nunca leu. Para que serve você falar de números invejáveis se você tem menos leitores do que obras terminadas?

Mais uma vez é a questão de ser inteligente com sua carreira. O resumo deste artigo é: Seja realista e dê um passo de cada vez.


Lilian K. Mazaki