Olhou para o céu noturno. Não haviam estrelas. Ela mexeu nos cabelos finos e negros para aliviar um pouco do calor na nuca e seguiu seu caminho.
Já passavam das vinte e três horas e não havia qualquer viva alma nos arredores. Viva, ou morta, qualquer forma de vida inteligente evitava cruzar o caminho daquela que apenas caminhava quando não mais se enxergava qualquer luz do sol. Nem mesmo no reflexo da lua.
Sua aparência ainda era a mesma de antes de tudo o que lhe sucedera. A imagem perfeita de uma moça de vinte e poucos anos um tanto reservada. Não havia nenhum traço do que havia se transformado o ser que habitava por debaixo da pele alva e delicada. Se por fora ela ela uma mulher perfeita, não se saberia denominar o que havia no interior.
Além de talvez, um demônio.
Ela era capaz de relembrar diariamente todos os assassinatos que testemunhara. Quase todos ela mesma havia causado, das maneira mais sangrentas o possível, com direito a orgãos estraçalhados e devorados com voracidade. Não era doloroso, não era assustador. Era apenas uma maldição que sequer havia feito questão de tentar entender. Tudo o que importava é que precisava saciar sua fome quando ela sobrevinha.
Como naquele noite parada de quase verão.
Em um momento, em meio ao seu caminhar quase silencioso, um farvalhar de mato pode ser escutado de longe. Os olhos negros e aguçados dela logo localizaram a origem. Aparentemente era um menino de rua, saindo do meio da vegetação que se espalhava pelo terreno baldio e sem muro. Devia ter acabo de aliviar suas necessidades e agora arrastava-se para o pequeno monte de trapos que seriam sua morada por aquela madrugada.
O pequeno não devia ter mais do que doze anos. Sujo, magro, de aspecto doente e débil. Ela pode perceber claramente que pouco restava de humanidade também naquele pequeno corpo. Todo o resto já havia sido quase devorado por inteiro pelas drogas. O cheiro de podridão que exalava só atraia ainda mais a atenção da criatura que conhecia bem a noite
Ela sentiu um arrepio correr pelas costas. Ainda que fosse uma criatura maldita, seu corpo ainda respondia a diversas sensações, inclusive à adrenalina causada ao encontrar uma presa que atraía seu paladar. De repente os pensamentos sem emoção foram substituídos por uma gana insana por sentir a textura da carne ainda viva descendo pela sua garganta.
Avançou. O maltrapilho ainda teve tempo o bastante para ver sua aproximação. Pela sua expressão devia conhecer o mito que já era de conhecimento da lenda urbana. Porém isso foi tudo, pois seu corpo sequer chegou ao chão ainda inteiro. Seus orgãos se espalharam pelo chão enquanto suas tripas esguichavam sangue, enquanto ela arrancava os pedaços, voraz.
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