sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A megalomania literária

É bem recorrente em fóruns e grupos de aspirantes a escritores espalhados pela internet encontrar jovens autores fazendo o seguinte tipo de comentário: "Tenho XX anos (menos de 25 ou 20) e nunca escrevi nada, mas tenho uma série de Z (acima de 5 ou mesmo 10) livros em mente. Como faço para escrevê-los?". Esse tipo de pensamento é comum em pessoas com pouca experiência prática no ofício literário (literalmente a labuta de escrever) que reflete uma enorme falta de preparo para tal empreendimento e, além disso, é uma janela imensa para fracassos e frustrações.

Mas, afinal, o que tem de errado em querer começar a carreira literária escrevendo uma longa série de ficção?


A "Megalomania Literária"




Primeiro ponto negativo é psicológico. Um potencial autor cria um universo de fantasia maravilhoso, deslumbrante e logo começa a enumerar a quantidade de livros que precisaria para apresentar esse universo de modo completo ao leitor. Imagina-se sendo ovacionado e adorado por seus fãs, participando de noite de autógrafos e, quiça, negociando os direitos para um filme em Hollywood! Porém, em meio a toda essa euforia o aspirante não se dá conta de algo simples, mas fundamental nesse processo: escrever é um trabalho demorado e penoso.

Não que todos os autores, publicados ou não, não possam se permitir esses momentos de devaneio, muito pelo contrário. Mas, encher-se de ansiedade a respeito de uma obra tão grandiosa sem sequer ter começam a tirá-la da mente para um rascunho que seja pode ser uma armadilha.

Uma vez que o autor desperte do seu sonho e se veja diante de um desafio tão gigantesco e urgente (afinal, se ele não começar a escrever AGORA não irá viver o bastante para ver toda a sua fama prosperar) ele provavelmente irá TRAVAR por completo antes de escrever a primeira frase do primeiro esboço de conto sobre seu maravilhoso universo.

O segundo ponto negativo é logístico. Escrever um livro é uma atividade que exige uma quantidade bastante volumosa de subsídios para se tornar realidade:  tempo e esforço podem ser conceitos abstratos, mas são a matéria-prima do trabalho literário e são um custo para o autor. Uma pessoa que diz que quer estrear escrevendo uma série de, por exemplo, 10 livros correlacionados provavelmente não faz ideia da quantidade de tempo e desgaste mental necessários para terminar uma única obra, quem dirá 10 obras com enredos interligados.

Um autor inexperiente, em praticamente todos os casos, não tem técnica o suficiente para lidar com um único enredo, muito menos com diversos enredos entrelaçados.

Um aspirante não tem, em sua maioria, conhecimento do próprio ritmo de trabalho, nem noções de organização pessoal para lidar com a produção de uma obra.

Boa parte dos escritores de primeira viagem não conhece técnicas para otimizar sua rotina de trabalho para uma obra ou, em casos ainda piores, rejeitam essas técnicas por acreditarem que "sistematizar meu trabalho é matar toda a alma da minha obra."

Ou seja: Escritor aspirante (e mesmo boa parte dos escritores já experientes), não se comprometam com uma série imensa como seu caminho principal na carreira literária.



"Mas eu sou uma pessoa criativa, não posso evitar criar universos maravilhosos e gigantescos."




Criar, a nível conceitual, universos de ficção complexos é um exercício apreciado por autores de fantasia e ficção-científica (o chamado Worldbuilding). É uma atividade, até certo ponto, muito prazerosa e proveitosa para a mentalidade do autor. Ter que repensar regras físicas, sociais ou espirituais de uma realidade imaginada pode ser um caminho para compreender como essas questões são construída na nossa própria realidade.

Porém uma coisa é criar conceitos e outra, muito diferente, é escrever uma série de livros. É preciso separar o senso de criação do senso prático como escritor. Os problemas de comprometer-se com uma série são muitos e podem levar a frustrações enormes.


Como lidar com a Megalomania Literária?




Não há como passar uma receita única de como resolver esta questão, mas irei deixar aqui meu toque opinativo, levando em conta as experiências que já tive na produção literária. Em suma:

- Crie um universo do tamanho que for, MAS, pense em um livro de cada vez;

Se seu primeiro livro, com enrendo redondo, fechado em si mesmo, dentro deste seu universo der certo, ou seja, for publicado (por editora, de maneira independente ou mesmo de graça na internet) e conquistar uma base de fãs, mesmo que pequena, AI SIM você começa a trabalhar no seu segundo livro, ou, num toque mais ousado, uma trilogia nova dentro desse seu universo ficcional.

Escrever é um ofício e o autor despende dos seus bens mais preciosos para isto: tempo e raciocínio, então é preciso inteligencia para não jogar estes preciosos recursos no vácuo da inutilidade.

Outro ponto interessante a destacar aqui: Não adianta de nada escrever 14 livros quem ninguém nunca leu. Para que serve você falar de números invejáveis se você tem menos leitores do que obras terminadas?

Mais uma vez é a questão de ser inteligente com sua carreira. O resumo deste artigo é: Seja realista e dê um passo de cada vez.


Lilian K. Mazaki

2 comentários:

José Geraldo Gouvea disse...

Darling, delícia de pessoa. Prepare-se para a saraivada de críticas que receberá por causa da sua "arrogância" de apontar isso.

Vivemos tempos estranhos, em que humildade é achar-se predestinado ao impossível, ao heróico, e dizer que tudo precisa ser feito com calma e trabalho é "arrogância".

Humilde é o rei nu, e nada dá tanto lucro quanto vender seda invisível.

Mas conte com a solidariedade do Ogro aqui.

LKMazaki disse...

@Jose Geraldo Gouveia

Agradeço ao comentário José, espero poder continuar contando com esse entusiasmo com o decorrer das postagens, hehehe.

Agora, quanto à humildade ou arrogância, acredito que tudo é uma questão de ponto de vista. Alguns acusam com razão, outros por pura tolice e alguns ainda por ranror.

Todos estamos expostos a esse tipo de crítica, mas cabe a cada um saber lidar e seguir (ou não) com seu foco e seus objetivos em mente.


Agradeço mais uma vez a participação. Até breve!