Abstrair
conceitos da realidade é parte da nossa rotina. Abstraímos lugares para assim
os conhecer; abstraímos acontecimentos e fazer relações que escapam do óbvio. É
assim que compreendemos o mundo. Porém existe um tipo de movimento de abstração
que é ao mesmo tempo necessário e perigoso: somos capazes de separar o conceito das
pessoas de quem elas realmente são.
Quem
nunca ouviu a frase “não leve isso para o pessoal” após receber alguma ofensa
que com certeza já lhe tirou da seriedade de ânimos? Dia desses descobri que
uma antiga amizade com a qual tinha contato atualmente só pela internet havia
perdido o interesse no nosso vínculo e me excluído de suas redes. Não leve para
o pessoal, ela disse em seu perfil, após ter feito a operação com várias
pessoas além de mim, é que quero que minhas atualizações mostrem apenas coisas
que me sejam de interesse.
E
pra que lado eu poderia tomar aquele que não o pessoal? Havíamos trabalhado
juntas em projetos artísticos, em um grupo que havia sido quase uma segunda
família para os membros naquele ano. Agora que meu contato não era mais
interessante era algo nada relacionado ao pessoal sair excluindo à mim e a
outros colegas do mesmo período?
Abstraímos
pessoas o tempo inteiro, tornando-as conceitos com os quais lidamos de maneira
mais simples do que lidaríamos com essas massas de carne e incredulidade
tangível da qual surgem essas abstrações. Precisamos simplificar e agrupar
algumas vezes para entender como devemos nos comportar em determinadas
situações. Pessoas da empresa, colegas da faculdade, amizades da época da
escola. . . Criamos grupos conceituais e encapsulamos os outros modelos
metafóricos que representam vagamente as pessoas com quem convivemos.
Ninguém
faz isso com o objetivo de ser frio simplesmente. É que somos incapazes de dar
total atenção para cada uma das pessoas que estão em nosso convívio. Nossa
consciência é incapaz de suportar a quantidade de informação necessária para
ter uma visão complexa e completa de cada um dos vizinhos, dos clientes do
lugar onde se trabalha ou de alunos das ênfases mais desconhecidas da Letras.
Precisamos desse espaço precioso de raciocínio para trabalhar outras coisas
inúmeras que nos assaltam a todo o momento. A música na playlist do celular, ou
o tamanho da fila do R.U. precisam de espaço e para isso simplificamos aquelas
centenas de pessoas enfileiradas à um grupo sem distinção que está tornando nosso
horário de almoço mais caótico.
Tornar
pessoas coisas com as quais não fazemos relação ao lado pessoal é também
perigoso. Todos se tornam coisas e coisas podem ser colocadas de lado com
facilidade. Tratadas como quantidades ou apenas como acúmulo de espaço.
No
fim eu também excluí aquela antiga grande amiga de projeto do meu feed do
Twitter e do Facebook. Não quero gastar meus olhos lendo suas opiniões inconstantes
ou vendo suas divulgações de projetos que não me interessam. Não é nada
pessoal, eu só quero poder deletar a abstração dela da minha realidade.
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